Estavam todos reunidos no almoço de domingo. Jorge aproveitou para confessar seu segredo.
— Bem, não sei como dizer isso… acho que sou reacionário.
Um silêncio esmagador se apossou da mesa por um breve momento, e foi logo quebrado pelo pai, aos berros:
— Você é o quê? Só pode estar brincando. Não criei filho meu pra ser isso aí que você falou. Que pouca vergonha!
— Mas, pai, é a verdade. Demorei anos pra entender, mas é o que sou.
— Não posso aceitar isso. Ser ladrão, homicida, vá lá, mas reacionário? Que decepção!
A mãe interveio:
— Calma, José. O menino deve estar confuso. Vai ver é só uma fase. E se ele começar a fazer terapia?
— Mas mãe, eu estou bem.
— Não complica, meu filho. Aceita e pronto.
— Acho bom ele se emendar — disse o pai. — Não paguei anos de escolas progressistas e inovadoras pra ter um filho assim. Olhou para dona Lúcia, depois para o filho, e alertou: — Ou melhora ou vai ter que ir embora desta casa.
…
Na mesma semana Jorge foi se encontrar com a doutora Jasmine, psicóloga e amiga da sua mãe.
— Olá, Jorge. Sua mãe já me adiantou o seu caso. Pela minha experiência, teremos que fazer um tratamento por anos a fio.
— Mas por quê? Só porque sou reacionário?
— Não é politicamente correto falar assim! O certo é “indivíduo com pensamentos atrasados que precisam ser revistos.”
— Mas não quero rever nada. Aliás, já aceitei a minha situação; os outros é que não, pelo jeito.
— É normal essa negação no começo, mas se você se dedicar, ao final estará pronto para aceitar as ideias mais recentes e efêmeras que existem atualmente.
— Deus me livre! É exatamente esse tipo de coisa que não quero. Na idade média…
— Ih, já vai falar do que acha bom na Idade das Trevas. Realmente o seu caso é grave.
— Toda época tem seus altos e baixos. O que ia dizer é que valorizo a ordem, a hierarquia das coisas. Só me interessa o que é permanente; o que é passageiro não me importa. Por isso ia falar da idade média. De lá pra cá parece que só pioramos.
— Jorge, o novo sempre vem.
— Mas nem sempre o novo é necessariamente melhor.
— Jorge, você é monarquista?
— Não vejo muita diferença entre as formas de governo, todas podem ser opressivas se mal exercidas. Mas se me perguntasse, considero a bandeira do Império bem mais bonita e condizente com nossa história do que a da tal República, mesmo sabendo que uma se inspirou na outra. Além disso, voltando à idade média: uma história com reis, rainhas, cavaleiros, princesas, monges e plebeus é bem mais atraente do que burocratas tecnicistas e oportunistas brigando por poder e um povo aparvalhado só a assistir.
— Meu jovem, estou achando que o seu caso é sem jeito mesmo.
…
Vendo que esse tratamento não daria em nada, Jorge acabou saindo de casa e tocando a vida. Não falou mais no assunto para não magoar os pais. Não mudaria só para agradá-los; ele sabia o que ele era. Dali pra frente, falaria cada vez menos sobre sua situação. Às vezes era difícil se controlar, mas ele dava um jeito. Com o tempo, criou mecanismos para melhor se comunicar e não ser julgado logo de cara. Quando o assunto acabava surgindo, e ele era indagado, acabava respondendo:
—Sou re…reativo.
— Como assim?
— Reajo a tudo que não presta.
— E quem não? (Era o que geralmente ouvia como resposta.)
Já era alguma coisa. Acabou se contentando.